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"Eles tentaram nos enterrar, mas não sabiam que éramos sementes! "

Proverbio mexicano

segunda-feira, 22 de junho de 2015

LAUDATO SI (Crônica sobre uma Encíclica Cuidar da Casa Comum) - Hilário Dick

Sou apenas um dos milhões que não tiveram a chance de ver o Papa Francisco de mais perto. Sou apenas um jesuíta que não conhecia o Bergoglio de mais perto, mas pelas coisas que ouvia, e ficava com os pés para trás. Sou apenas um jesuíta que teve a alegria interna profunda de ver que aquilo que o Papa Francisco começou a fazer logo no início de seu pontificado. Ele fez o que todo jesuíta sonharia fazer, pensava eu: chorar os africanos mortos, engolidos pelas águas em busca de sobrevivência. Se o Bergoglio surpreendeu, o Papa Francisco surpreendeu divinamente. A Igreja e o mundo precisavam de ares novos, de expulsões de maus espíritos, de autoritarismos e moralismos frustrantes e surgiu essa figura argentina. Em 2013 o Papa Francisco lançara a exortação apostólica Evangelii Gaudium que já deveria ter sido lida e meditada por todos que se dizem cristãos, também as hierarquias, também os cleros que deveriam ler mais. Ela era a expressão da alegria exuberante que tivemos a graça de começar a contemplar quando Francisco pediu a bênção ao povo reunido na Praça de São Pedro, em Roma.

Em 24 de maio de 2015, acompanhada de muita curiosidade, apareceu a Encíclica Laudato Si, sobre o cuidado da casa comum, como diz o título, isto é, sobre a Ecologia. Entre os seis capítulos vamos referir-nos somente ao capítulo 6, intitulado “Educação e Espiritualidade Ecológicas” (nº 202 a 246). Serão unicamente referências com vontade de dizer: “leiam todo o documento, que vale a pena”, mais nada. Claro que a Encíclica tem várias chaves de leitura, mas não importa. Se a Encíclica é uma enciclopédia sobre Ecologia, o capítulo 6 é de uma mística ecológica que faz aquecer o coração.

Chamaria a atenção ao fato de, assim como Evangelii Gaudium termina com um poema a Nossa Senhora, a Estrela da nova evangelização, Laudato Si se inspira claramente no cântico de São Francisco de Assis e conclui com duas orações em forma de poema: uma dirigida aos não-crentes e a outra aos cristãos. É muito mais do que dar-se conta que Francisco foi professor de Literatura; é dizer que o mundo precisa mais de poesia do que de formulações dogmáticas.
Em meio às violências e feiuras – também no abuso da Criação – precisamos de carinhos cordiais. Como dirá o Papa, quando as pessoas se tornam auto referenciais e se isolam na própria consciência, aumentam a sua voracidade: quanto mais vazio está o coração da pessoa, tanto mais necessita de objetos para comprar, possuir e consumir. O coração se embrutece. Precisamos de outro estilo de vida. Assim como Francisco fala da necessidade do cheiro de ovelha, com seu modo de escrever e ser, ele nos diz que precisamos entender melhor o que seja ser teologicamente dionisíaco.

Se na Evangelii Gaudium o Papa já citava autores como T. de Kempis, Newmann, Bernanos, De Lubac e outros; em Laudato Si o autor preferido, nas citações, é Romano Guardini, ao lado de Dante Alighieri, Teilhard de Chardin, Paul Ricoeur e a Cúpula do Rio. Se na primeira há bastantes citações do Documento de Aparecida e citações de 07 Conferências Episcopais, na segunda volta o CELAM (com menos intensidade) e citações de 17 Conferências Episcopais, de todos os lados dos vários continentes: 6 da América Latina (exportação de resíduos, pobres etc.), 5 do mundo oriental (mundo marítimo como cemitério, os que comem demais), 03 da Europa (ambiente como um empréstimo e os pobres como vítimas da agressões ambientais), 02 do continente americano (questão dos pobres e a natureza como revelação divina), 01 da África (nova solidariedade universal). Cremos não ser um dado acidental; é a crença e a prática da colegialidade episcopal que o Papa crê, vive e pratica.

Saboreemos, por isso, um pouquinho dos nove subtítulos do capítulo 6: “Educação e Espiritualidade Ecológicas”, o capítulo que mais me impactou. 1. Quanto a outro estilo de vida lemos que quando poucos tem possibilidades de se manter no consumismo, isso só poderá provocar violência e destruição recíproca (nº 204). Sempre é possível desenvolver uma nova capacidade de sair de si mesmo (nº 208). 2. Falando de educar para a aliança entre a humanidade e o ambiente, fala da família como sede da cultura da vida e da necessidade de uma educação estética apropriada e a preservação de um ambiente sadio (nº 213 e 215). 3. Falando de conversão ecológica o Papa afirma que não é possível empenhar-se em coisas grandes apenas com doutrinas, sem uma mística que nos anima (nº 216). De forma simbólica ele afirma que “se os desertos exteriores se multiplicam no mundo, é porque os desertos interiores se tornaram muito amplos (nº 217). 4. Referindo-se à alegria e à paz, e também à sobriedade, afirma: É possível necessitar de pouco e viver muito, sobretudo quando se é capaz de dar espaço a outros prazeres cita encontros, serviços, música, arte, oração). 5. Em amor civil e político (nunca ouvira falar desta forma do amor) Francisco diz que é necessário voltar a sentir que precisamos uns dos outros, que temos uma responsabilidade para com os outros e o mundo, que vale a pena sermos bons e honestos (nº 229). É nessa parte que ele fala da cultura do cuidado. 6. Ainda acho que um dos subtítulos mais bonitos é o dos sinais sacramentais e o descanso celebrativo. Além de falar da tendência de reduzir o descanso contemplativo ao estéril e inútil, é lindo quando fala da Eucaristia dizendo que a graça atinge uma expressão maravilhosa quando próprio Deus, feito homem, chega ao ponto de fazer-Se comer por sua criatura (nº 26). 7. Muito bonito, igualmente, quando fala da Trindade e da relação entre as criaturas. Na verdade, a pessoa humana cresce, amadurece e santifica-se tanto mais, quanto mais se relaciona, sai de si mesmo para viver em comunhão com Deus, com os outros e com todas as criaturas (nº240). Além de falar de Maria como “a Rainha de toda a criação” ele conclui que estamos a caminhar para o sábado da eternidade, para a nova Jerusalém, para a casa comum do Céu (nº 243).

É certo que a Encíclica vai ser sucesso de venda e de críticas por parte de certas partes do mundo. Não importa, a profecia sempre foi perseguida.

Hilário Dick, Jesuíta, doutor em literatura e assessor e pesquisador de juventude.
Fotos - internet