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"Eles tentaram nos enterrar, mas não sabiam que éramos sementes! "

Proverbio mexicano

terça-feira, 7 de julho de 2015

No Equador, Francisco pede oração intensa por “milagre” no Sínodo - Joshua J. McElwee

A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada por National Catholic Reporter, 06-07-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
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Em referência a contendas que poderão ocorrer no Vaticano nos próximos meses, o papa também pediu aos fiéis, reunidos na cidade portuária de Guayaquil para uma missa ao ar livre, para que “intensifiquem” as suas orações para o encontro mundial de outubro dos bispos sobre questões da vida em família.
Com uma homilia centrada na história evangélica da festa de casamento em Caná – onde Jesus, a pedido de Maria, milagrosamente fez água se tornar vinho –, o papa pediu à multidão que reze para um milagre semelhante ocorra nas discussões dos bispos a ocorrer no Sínodo dos Bispos neste segundo semestre.
O ponto central deste encontro – Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos – é “amadurecer um verdadeiro discernimento espiritual e encontrar soluções concretas para as inúmeras dificuldades e os importantes desafios que a família deve enfrentar nos nossos dias”, disse Francisco à multidão em seu idioma nativo.
“Convido vocês a intensificar a oração por essa intenção: para que, mesmo aquilo que nos pareça impuro, nos escandalize ou espante, Deus (…) possa milagrosamente transformá-lo”, acrescentou ao seu texto preparado.
Estas palavras do pontífice foram marcantes em sua franqueza. Foi marcante também a sua decisão de tratar do Sínodo neste segundo encontro com o público durante a visita, que durará de domingo a quarta-feira no Equador, como parte de uma visita mais longa à região que irá contar com uma ida à Bolívia e ao Paraguai.
Estas declarações do papa fizeram parte de uma longa homilia, proferida diante de uma enorme multidão.
Fotografias aéreas mostram que quase todas as partes do Parque Samanes, de aproximadamente 2 mil hectares, estavam lotadas. Muitos acamparam durante toda a noite para garantir um lugar no parque em Guayaquil, a cerca de 400 km ao sudoeste de Quito.
Com a temperatura beirando os 33ºC, os bombeiros acabaram jorrando água por sobre a multidão enquanto cantavam hinos antes da chegada do papa.
A Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos de outubro será o segundo de dois encontros mundiais dos bispos convocados por Francisco para 2014 e 2015. As discussões em torno destes dois eventos têm atraído grande atenção e gerado polêmicas por seu foco em questões como o divórcio e o recasamento.
Neste retorno ao continente em que nasceu, Francisco aproveitou a oportunidade para falar diretamente sobre as lutas enfrentadas pelas famílias equatorianas, relacionando a história do Evangelho com os milagres que, disse, as pessoas testemunham a cada dia.
“E, na família, os milagres se fazem com o que há, com o que somos, com aquilo que a pessoa tem à mão”, disse o pontífice à multidão. “Muitas vezes não é o ideal, não é o que sonhamos, nem o que ‘deveria ser’”.
O papa então exortou os presentes a acreditar que as coisas podem sempre melhorar, que o melhor sempre está à frente, refletindo sobre como as pessoas no relato evangélico manifestavam espanto que o melhor vinho servido pelo casal (fornecido por Jesus) ter durado tanto, sendo servido por último.
“Esta é a boa nova”, Francisco disse à multidão. “O melhor dos vinhos ainda está por ser bebido, o mais gracioso, profundo e belo para a família ainda está por vir”.
“Ainda está por vir o tempo em que saboreamos o amor diário, onde os nossos filhos redescobrem o espaço que partilhamos, e os mais velhos estão presentes na alegria de cada dia”, disse ele. “O melhor dos vinhos está na esperança, está para vir a cada pessoa que aposta no amor”.
“As famílias têm que arriscar dar o amor, compartilhar o amor”, disse Francisco. “Temos de arriscar distribuir amor aos outros”.
O melhor “está por vir, mesmo que todas as variáveis e estatísticas digam o contrário”, prosseguiu o papa. “O melhor vinho ainda está por vir para aqueles que hoje veem desmoronar tudo”.
“Murmurai até acreditar nele”, falou ele à multidão. “O melhor vinho está por vir; e sussurrai-o aos desesperados ou que desistiram do amor”.
“Deus sempre se aproxima das periferias de quantos ficaram sem vinho, daqueles que só têm desânimos para beber”, disse Francisco. “Jesus se sente inclinado a desperdiçar o melhor dos vinhos com aqueles que, por uma razão ou outra, sentem que já lhes romperam todas as talhas”.
As palavras do papa expressando esperança para com o futuro provavelmente terão um significado especial para muitos no Equador, país que tem vivido um boom econômico nos últimos anos por causa do petróleo e de atividades de mineração, mas onde, ao mesmo tempo, muitas famílias ainda lutam para encontrar trabalho ou suprir suas necessidades básicas.
Muitos no país estão também debatendo a melhor estratégia para o crescimento econômico, que ultimamente tem se concentrado na exploração dos recursos naturais via atividade mineradora.
Alguns católicos dizem esperar que o papa aborde essa questão especificamente nos próximos dias, tratando em particular da abertura de governo à atividade mineradora em uma reserva natural reconhecida internacionalmente na fronteira do país com o Peru.
A irmã maryknoll Elsie Monge, diretora-executiva da Comissão Ecumênica para os Direitos Humanos, do Equador, disse que seu grupo escreveu uma carta a Franciscoantes da visita dizendo-lhe o quão devastadora a mineração é para a natureza e pedindo-lhe para falar sobre o assunto com o presidente Rafael Correa.
“Acho que esta sua presença é uma ocasião para que as pessoas reflitam sobre a necessidade de se ir mais além, de atingirmos as causas da pobreza, da violação dos direitos da natureza”, disse Elsie Monge.
Francisco voou para Guayaquil na segunda-feira pela manhã saindo de Quito, onde chegou de Roma no domingo à tarde. No início da manhã, ele visitou um santuário devotado à misericórdia divina localizado na cidade de Guayaquil.
Em sua homilia na missa desta segunda-feira, o pontífice igualmente refletiu sobre o papel de Maria no relato evangélico da festa de casamento, dizendo que tal narrativa mostra-a como estando atenta às necessidades daqueles ao seu redor e disposta a agir, a fim de servi-los.
A orientação de Maria para os que participavam da festa, no sentido de escutarem Jesus de modo a permitir o milagre do vinho, é também um convite a nós todos para “nos colocarmos à disposição de Jesus, que veio para servir e não para ser servido”.
“O serviço é o critério do verdadeiro amor”, disse. “E isso se aprende especialmente na família, onde nos tornamos servidores uns dos outros por amor ”.
“No seio da família, ninguém é descartado”, disse Francisco, acrescentando que não há desigualdades entre os membros da família.
Maria também nos ensinou a “deixar as nossas famílias nas mãos de Deus; ela ensinou a rezar, alimentando a esperança que nos indica que as nossas preocupações também preocupam Deus”, disse o papa.
Francisco voltará a Quito no final da tarde para uma visita formal ao presidente Rafael Correa e para uma breve ida à catedral da cidade, onde deverá se pronunciar brevemente.
No aeroporto de Quito no domingo, Francisco disse à multidão que queria estender a mão a todos no país durante esta sua breve visita e que estava “tomado de emoção e esperança” por esta viagem.
O papa se reunirá terça-feira com os bispos do país e com representantes da sociedade civil. Também celebrará uma missa ao ar livre que deve atrair centenas de milhares de fiéis. Na quarta-feira pela manhã, ele se reunirá com o clero e os religiosos antes de se dirigir para a Bolívia.
Francisco dá continuidade à visita na região indo ao Paraguai na sexta-feira antes de retornar a Roma, no domingo.
in: Instituto Humanitas Unisinos,  07 de julho de 2015

Carta ao Papa Francisco - Paulo Suess

Querido Papa Francisco,
amado Pastor e Irmão Maior:
Saúde e Paz!
“Conte conosco” !
O senhor é dom de Deus para o mundo e para a Igreja nesta “mudança de época”. Desde sua primeira aparição na Praça de São Pedro, apresentando-se como Bispo de Roma e pedindo a bênção do Povo, nos animou e encorajou a manifestar-nos livremente como Povo de Deus.
Através de Eduardo Brasileiro e Vinicius Lima Batista, nossos representantes noEncontro Mundial de Movimento Populares na Bolívia, expressamos, “desde esse fim do mundo”, incondicional apoio ao senhor e também algumas preocupações.
Somos cristãos católicos - leigos e leigas, religiosas e religiosos, presbíteros e também membros de outras confissões - da Zona Leste de São Paulo (perto de 3 milhões de habitantes), especificamente Diocese de São Miguel Paulista, articulados sob a identidade “Igreja, Povo de Deus, em Movimento” (IPDM), cujo “Princípios da Identidade” lhe enviamos em anexo.
O grupo nasceu em 2010, por iniciativa de alguns leigos e cinco padres, no intuito de retomar o Vaticano II e as conclusões das Conferências do Episcopado Latino-Americano. Se na época vivíamos um “inverno eclesial”, com a sua providencial eleição para Bispo de Roma, somos desafiados à “pastoral em chave missionária” (Ev. Gaudium, 33) e à ousadia de ser “uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas que a uma Igreja enferma pelo fechamento e comodidade de se agarrar às próprias seguranças” (Ev. Gaudium, 49).
Algumas preocupações:
1. Indiferentismo do clero (diáconos, padres, bispos, arcebispos): Sentimos que “Francisco, Bispo de Roma”, ainda não foi incorporado em muitas das Dioceses do Brasil. Caminhando para o terceiro ano de seu ministério apostólico, não vemos entusiasmo e efetivo empenho pastoral em fazer do “Evangelho da Alegria” referencial das práticas pastorais. Há certo “silêncio e desinteresse” quanto às suas “provocações” para sermos “Igreja em saída”.
2. Nomeações de bispos: há que se garantir participação dos presbitérios e dos Regionais da Conferência Episcopal na nomeação de bispos. A forma atual não privilegia nomeação de bispos pastores. Nesse sentido, há também um “lobby episcopal” conservador que encontra na Nunciatura Apostólica total e irrestrito reconhecimento. Um simples exemplo: nos últimos 35 anos, apenas 6 presbíteros da Grande São Paulo foram nomeados bispos.
Há, na Grande São Paulo, competentes e lúcidos presbíteros pastores, cujo testemunho evangélico os credenciaria ao ministério episcopal. Vêm exercer o ministério episcopal na metrópole padres de pequenas cidades de Minas Gerais, Paraná e do interior de São Paulo. Isso é real desconsideração para com os presbíteros de São Paulo, São Miguel Paulista, Santo Amaro, Osasco, Itapecerica da Serra, Guarulhos e Mogi das Cruzes. À renúncia ou transferência de um bispo diocesano o presbitério sequer é consultado sobre aquele que será o seu próximo bispo. No Brasil ainda são nomeados bispos de perfil burocrático-alfandegário, com “psicologia de príncipes”. Todos os padres, da década de oitenta, formados na Teologia da Libertação vivem marginalizados em suas próprias dioceses.
3. Os seminários de filosofia e teologia: constatamos expressivo número de seminaristas apaixonados pela “carreira eclesiástica”, facilmente constatável em suas conversas, em suas vestes clericais ultrapassadas, em seu alinhamento com presbíteros também carreiristas e dinheiristas e no empenho medíocre nos estudos filosóficos e teológicos. Para eles, o “cheiro das ovelhas” quanto mais longe, melhor. Sugerimos radical reforma dos seminários. A experiência de “casas de formação” ligadas a uma paróquia, sob responsabilidade de párocos sérios, parece-nos a melhor maneira de formar padres para a eclesiologia proposta pelo senhor na Evangelii Gaudium. Os seminaristas, num significativo número, querem ser “bispos” – como horizonte “eclesiástico”. Permita-nos dizer, Papa Francisco, os seminários podem fazer ruir todo o seu projeto de Igreja para os próximos anos.
4. Sínodo dos Bispos e comunhão sacramental para casais de segunda/terceira união: apreensivos, aguardamos uma palavra oficial e definitiva da Igreja para que casais de segunda ou terceira união possam, enfim, participar integralmente da eucaristia. O senhor mesmo deve ter encontrado, em seu ministério pastoral, inúmeros casais cristãos dedicados à evangelização e privados da comunhão sacramental. Perdoe-nos a pretensão: se “a eucaristia é fonte e cume da vida cristã” (SC 10), como aceitar a exclusão dela de pessoas de vivência cristã? Apelar para a “comunhão espiritual” num contexto litúrgico-sacramental é negar a “sacramentalidade” da própria assembleia litúrgica. 
5. Sínodo dos Bispos e população LGBTs: o mundo jamais esquecerá sua espontânea e humana expressão, quando da viagem do Rio de Janeiro de volta a Roma, no avião: “quem sou eu para julgar”? O senhor bem conhece o atroz sofrimento espiritual, psíquico, eclesial, social e familiar pelo qual passam milhões de irmãos e irmãs cuja opção homoafetiva é discriminada, demonizada, perseguida, odiada. Quantas pessoas dessa imensa população já não pensaram e tentaram o suicídio, a cada dia? Afirmar que a Igreja aceita a homossexualidade mas não a prática dela é mutilar as pessoas na totalidade do seu ser. Além disso, passamos por ridículos, aos olhos da ciência e da prática adulta, responsável e ética de milhares de pessoas.
6. Celibato opcional: No Brasil demos passos firmes quanto aos ministérios leigos, sobretudo o ministério de presidentes da Celebração da Palavra na ausência do presbítero; ministério do batismo e ministério das testemunhas qualificadas para o sacramento do matrimônio. Há inúmeras mulheres, inclusive, presidentes destas celebrações. Até recentemente eram também aceitas como testemunhas qualificadas do sacramento do matrimônio. A aceitação de ministros e ministras se, no início conheceu alguma resistência, hoje é tranquila, de um lado. Mas, de outro, ameaçada seriamente pelo clericalismo de presbíteros formados entre 1989-2014, cuja prática e pregação vêm transformando os leigos em “ovelhas”, também clericais. A aceitação da ordenação de “viri probati” não encontra resistência entre o povo. Pelo contrário, aprovação. No entanto, um certo tipo de clero, apegado a privilégios pecuniários e não disposto a avançar em tal questão, torna-se sério obstáculo. Notamos certo comodismo e preguiça pastoral e consciente opção pelo “fez-se sempre assim” (EG, 33).
7. Leigas e Leigos na Igreja: Na Evangelii Gaudium o senhor retoma a necessidade do Conselho Paroquial de Pastoral. Papa Francisco, é lastimável a maneira como são tratados milhares de leigos e, sobretudo, leigas nas paróquias e dioceses. Expressivo número delas não têm Conselho Pastoral. Os leigos mais conscientes são marginalizados, quando não afastados de suas atribuições, como “cobras venenosas”. Há inúmeros casos de destituição de Conselhos Paroquiais e Diocesanos segundo o “gosto” e os “interesses” do novo pároco ou (arce)bispo. Testemunhamos preocupante “infantilização” de leigos e leigas através de atitudes eclesiásticas autoritárias e da priorização a movimentos religiosos de perfil fundamentalista e conservador. Incentiva-se um “devocionismo” ao gosto do “consumo religioso de bênçãos imediatistas” e, quando não se persegue, deixa-se ao próprio abandono as pastorais organizadas. Como se garantir efetiva cidadania laical na Igreja?
8. Igreja e Movimentos Populares e Sociais: um vibrante agradecimento ao senhor por ter confirmado e reafirmado a “opção preferencial pelos pobres” que, de forma transversal, está presente na Evangelii Gaudium e na Laudato Si. O senhor trouxe a Igreja de volta aos desafios do mundo, empurrando-a para as “periferias existências e geográficas”. Cardeais, arcebispos, bispos, padres e seminaristas, mídia e governos, não têm mais argumento para dizer que tal opção é sociológica ou ideológica. Muitíssimo obrigado!
Saiba que os signatários desta carta, estão com o senhor. Conte conosco para todas as mudanças estruturais as quais o senhor se propõe encaminhar.
E, como sempre nos pede, “rezamos pelo senhor”.

in: Instituto Humanitas Unisinos,  07 de julho de 2015

A invisibilização de Francisco - Rodolfo Luis Brardinelli

A análise é de Rodolfo Luis Brardinelli e publicada por Página/12, 06-07-2015. A tradução é de André Langer.
Rodolfo Luis Brardinelli é sociólogo da Universidade Nacional de Quilmes e membro do grupo Cristãos para o Terceiro Milênio.
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Laudato si’, a encíclica social apresentada pelo Papa Francisco, foi recebida por um sugestivo coro de elogios. “Destoaram” apenas alguns representantes da direita norte-americana, como Jeb Bush, Rick Santorum e outros, católicos e republicanos, que disseram que “o Papa está vendendo uma linha de socialismo de estilo latino-americano” e que deveria ocupar-se mais em “tornar melhores as pessoas e menos com questões que têm a ver com aspectos políticos”.
Tanta unanimidade no elogio de um documento que critica fortemente o sistema capitalista e o consumismo é, no mínimo, chamativa. Mais lógico seria que uma encíclica que afirma que a solução da crise é política porque “o mercado por si mesmo não garante o desenvolvimento humano integral e a inclusão social” colha não apenas a crítica de um punhado de ultraconservadores norte-americanos, mas também a de uma longa fila de políticos, empresários, economistas, jornalistas e religiosos que crescem com o sistema e hoje se fazem de distraídos ou resmungam elogios de compromisso.
Gerentes, representantes e defensores do sistema, assinalado pela encíclica como causador do desastre humanitário e ecológico aos quais seguramente não lhes faltam vontade de mandar “o Papa ocupar-se com outras coisas”, como fez Jeb Bush, mas, mais astutos que ele, calam e esperam que a inércia conservadora que arrasta a Igreja acabe por invisibilizar a Laudato si’ como já fez com outro documento de Francisco com fortes definições sociais, a Evangelii Gaudium.
Para comprovar a validade desta estratégia basta reparar nos elogios parciais com que receberam a encíclica os empresários e os formadores de opinião nativos que desde sempre defenderam as virtudes da desregulamentação liberal. Basta ver os sonoros silêncios dos políticos e dos meios de comunicação que, nestes tempos de eleições, apregoam a necessidade de um retorno – isso sim, disfarçado de “mudança” – às políticas de mercado, de ajuste e de endividamento dos anos 1990.
Aconselhados pela “prudência política” calam e esperam. Confiam em que a Laudato si’seja dentro de pouco tempo, por ação ou omissão da Igreja, tão invisível quanto é hoje a Evangelii Gaudium, um documento de Francisco que também fez ranger os dentes, mas da qual hoje, apenas um ano e meio depois da sua publicação, poucos ainda se lembram.
A Evangelii Gaudium, é preciso recordar, é o documento no qual Francisco diz que o desequilíbrio entre ricos e pobres “provém de ideologias que defendem a autonomia absoluta dos mercados e a especulação financeira. Por isso, negam o direito de controle dos Estados, encarregados de velar pela tutela do bem comum”. O que fizeram a Igreja, os bispos e padres para que esta ideia penetre na consciência e se reflita na ação e nas escolhas dos cristãos?
Uma primeira impressão é que fizeram pouco ou nada. Demonstração desta afirmação é talvez o argumento com o qual o diretor de uma importante editora católica explica sua decisão de não publicar um livro sobre a Evangelii Gaudium: “Não vai vender, porque a Evangelii Gaudium não entrou nos agentes de pastoral”, e, mesmo que o editor não o diga, fica claro que essa falta de penetração é consequência de uma decisão expressa, ou o desinteresse de quem define a linha pastoral da instituição.
Não obstante esta confissão, seria interessante comprovar a hipótese mediante um trabalho de sociologia religiosa que precise quantos cursos ou seminários sobre a Evangelii Gaudium a Igreja organizou, quantos documentos ou pregações destinaram a ela os bispos, em quantas instruções pastorais ordenaram ou incentivaram sua divulgação, em quantas matérias das universidades e dos colégios católicos ela é estudada, quantas paróquias organizaram alguma atividade inspirada nela, quantas organizações oficiais de leigos têm-na como referência para sua ação, de que forma as comissões eclesiais de justiça e paz vêm trabalhando com ela, o que fizeram com ela os empresários católicos, etc.
É de desejar que a Igreja, seus bispos e suas instituições, trabalhem de tal maneira que a Laudato si’ não siga o mesmo caminho obscuro e, por outro lado, converta-se no que deve ser: um novo paradigma de evangelização. Mas isso está para se ver. Enquanto isso, a invisibilização da Evangelii Gaudium é muito recente e muito evidente para não temer que se repita a história e se justifique assim a estratégia dos poderosos que mentem adesão ou calam... e esperam.

in: Instituto Humanitas Unisinos,  07 de julho de 2015