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Proverbio mexicano

terça-feira, 21 de julho de 2015

Amicus Praefectus, sed magis amica Veritas: a resposta do cardeal Sarah e a réplica de Andrea Grillo

publico aqui a replica do teólogo italiano Andrea Grillo à resposta do Cardeal Robert Sarah sobre uma entrevista que o cardeal deu em 09 de março de 2105 onde falou sobre guerra litúrgica, críticas ao papa, islamismo e África.
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No seu blog Come Se Non, 08-07-2015, o teólogo italiano Andrea Grillo escreve que, no dia 5 de julho, o cardeal Robert Sarah, prefeito da Pontifícia Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, divulgou uma resposta a dois artigos de Grillo, publicados em março e junho passados, nos quais o teólogo tinha criticado "pesadamente" dois textos do cardeal.
"Parece-me um sinal positivo – afirma Grillo, professor do Pontifício Ateneu S. Anselmo, de Roma, do Instituto Teológico Marchigiano, de Ancona, e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Giustina, de Pádua –, ao menos pelo fato de que se abriu um canal de diálogo. No entanto, devo observar que o cardeal Sarah, na sua resposta, não entra minimamente na discussão 'de mérito', enquanto se limita a observações de caráter formal, sobretudo sobre o meu 'tom', além das suas intenções."
Assim, Grillo escreve ter decidido fazer duas coisas:
- levar ao conhecimento também dos seus leitores a resposta do cardeal Sarah;
- acompanhá-la com uma breve resposta, na qual o teólogo tenta "mostrar os limites da própria resposta e o bom direito com que eu levantei desde março as minhas críticas".
A tradução é de Moisés Sbardelotto in Instituto Humanitas Unisinos, 21 de julho de 2015.
Eis os textos.
A resposta do cardeal Sarah
O grande bem do Concílio Vaticano II
Pela segunda vez em poucos meses, o Prof. Andrea Grillo escreveu no seu blog comentários não muito lisonjeiros a meu respeito.
Em um post do dia 6 de março passado, desde o título, me acusava de "desfigurar o Vaticano II". No texto, depois, ele comentava uma passagem de uma entrevista minha, falando de "'monstruum' lógico e pastoral" e dizendo que, com as minhas palavras, eu me expunha ao "ridículo", operava uma "mistificação" e cometia "um erro irremediável", sem falar do resto.
Perto do fim, ele me acusa daquela autorreferencialidade justamente estigmatizada pelo Papa Francisco, equiparando-me aos "expoentes da Cúria desprovidos de senso de realidade e de verdadeiro contato com as comunidades vivas", os quais, "vivendo sempre nos escritórios da Cúria […] imaginam uma Igreja que não existe e ignoram a que existe".
Não vou comentar as expressões anteriores, mas sobre estas últimas eu quero lembrar que fui ordenado sacerdote em 1969 e, dez anos depois, bispo. De 1979 a 2001, fui bispo na minha Guiné, enfrentando a vida pastoral ordinária e muitas situações "extraordinárias". Apenas em 2001 cheguei à Cúria. Acho que posso dizer que tenho um pouco de conhecimento da Igreja "que existe". Não posso garantir o mesmo para todos os acadêmicos individuais, embora a maioria deles consegue unir de modo harmônico o estudo e a vida eclesial.
Um segundo post foi dedicado a mim pelo Prof. Grillo no dia 16 de junho. Ele traz o surpreendente título: "O analfabetismo conciliar do cardeal Sarah". Nele, o liturgista me critica duramente por um artigo por mim publicado no L'Osservatore Romano do dia 12 de junho de 2015, intitulado "Silenciosa ação do coração".
Lendo o título do post do Prof. Grillo, deveria me preocupar: sou realmente analfabeto em relação ao Concílio, ou ao menos acerca do seu ensinamento litúrgico? Se assim fosse, seria grave, e deveria imediatamente remediar isso, talvez indo para uma "escola de Concílio" de algum especialista que dá aulas particulares!
Mas fiquei confortado por duas reflexões. A primeira, a que voltarei logo, é de que as acusações que me são dirigidas pelo Prof. Grillo não se justificam com base no verdadeiro conteúdo do meu artigo. A segunda é que, se sou analfabeto, estou em boa companhia, já que a minha interpretação da Sacrosanctum Concilium coincide com a de inúmeros outros autores, de não pouco relevo, e alguns deles importantíssimos. E o que é ainda mais importante: a minha interpretação lê o Concílio à luz do Magistério pós-conciliar.
Mas consideremos, embora muito brevemente e sem entrar nos detalhes, o que o Prof. Grillo escreve sobre o meu artigo, mesmo que – para dizer a verdade – eu deveria dizer: o que ele escreve sobre mim.
O autor afirma que quer me dirigir quatro perguntas, quando, na realidade, eu sou posto no banco dos réus, tendo que suportar uma acusação ao término da qual a condenação é, como era previsível desde o início, dura e certa.
Além disso, as acusações, no fundo, também se reduzem a apenas uma, que repete várias vezes ao longo de todo o texto: para o Prof. Grillo, seria uma grave culpa minha o fato de ter citado a Redemptionis Sacramentum, número 42, com aquele seu chamado a utilizar com cautela a expressão "comunidade celebrante".
Evito documentar novamente a inoportunidade da linguagem que é utilizada em relação a mim, como e ainda mais no primeiro dos dois posts. Detenho-me ao essencial e observo ao Prof. Grillo que a Redemptionis Sacramentum é citada uma única vez, enquanto aSacrosanctum Concilium, 13 vezes.
E não falam só os números: o tema da expressão "comunidade celebrante" também é tocado uma única vez e não representa, de fato, o ponto central do meu artigo, mas sim uma aplicação dentro de um discurso de muito mais fôlego. Por outro lado, é claro que eu concordo com aquela especificação oferecida pela Instrução, enquanto é igualmente evidente que o Prof. Grillo não concorda.
Mas essa diferença de opinião justifica o tipo de intervenção que ele publicou? O professor diz que a minha hermenêutica do Concílio está completamente errada e que, mais do que a Constituição do Vaticano II, parece que eu li a Mediator Dei de Pio XII (aliás, nunca citada no meu artigo).
Prof. Grillo reivindica a liberdade do teólogo de criticar a minha "leveza de análise e de julgamento" e ´de "trazer à luz todas as lacunas".
A conclusão do seu post confirma em termos ainda mais drásticos essa reivindicação. O professor escreve: "Um prefeito que realmente queira servir uma autêntica implementação do Vaticano II nunca escreveria uma única linha daquilo que apareceu com a sua assinatura. Esse é um fato grave. Sobre o qual um teólogo, que queira servir a Igreja, nunca poderá silenciar, em caso algum".
Sobre isso, quero dizer que não duvido da sinceridade dos sentimentos do Prof. Grillo em querer servir a Igreja. Nem mesmo contesto que, em princípio, uma das tarefas da teologia é criticar representações parciais (quais não são?), a fim de favorecer uma melhor compreensão e apresentação da verdade revelada. Objeto, porém, as modalidades com que isso foi feito.
Horácio ensina: est modus in rebus. E São Pedro aumenta a dose quando, com palavras que se referem particularmente bem ao ministério dos teólogos, diz: "Reconheçam de coração o Cristo como Senhor, estando sempre prontos a dar a razão de sua esperança a todo aquele que a pede a vocês, mas com bons modos, com respeito e mantendo a consciência limpa. Assim, quando vocês forem difamados em alguma coisa, aqueles que criticam o bom comportamento que vocês têm em Cristo ficarão confundidos" (1Pd 3, 15-16).
Prof. Grillo, naturalmente, é livre para me criticar, se considerar que eu – como autor privado – erra. Porém, ele deve mudar o estilo das suas críticas, deve torná-las realmente construtivas, diria até edificantes, se isso for concedido.
Além disso, quando critica, ele deve se esforçar para atingir o alvo: ou seja, criticar um verdadeiro erro, se houver; não criar um discurso que não foi feito, para depois se jogar de cabeça contra a sua própria criatura, cuja paternidade, porém, ele atribui ao seu acusado.
Uma palavra conclusiva sobre o motivo desta minha intervenção. Na Itália, diz-se: "Non c’è due, senza tre" [não há dois sem três]. Como o Prof. Grillo já me dedicou dois posts, provavelmente devo esperar outros. Talvez, eu deva esperar um post cada vez que eu abrir a boca ou escrever alguma coisa. Quero dizer claramente que, embora possa desagradar, esse tipo de intervenções não me intimida.
Vou continuar refletindo e falando, ou escrevendo, sobre a sagrada liturgia segundo o que a minha inteligência e consciência me fazem compreender como verdadeiro e digno de ser transmitido aos outros. Vou continuar obedecendo ao Santo Padre, como sempre fiz. E o Papa Francisco, como já pude dizer em outros lugares, ao me nomear prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, conferiu-me um mandato de continuar a implementação do Concílio, seguindo o caminho aberto pelo Papa Bento XVI.
Isso eu pretendo fazer, com a ajuda de Deus, dos oficiais e dos consultores da Congregação e dos liturgistas que desejam fazer uma contribuição positiva.
Ao escrever este texto, não pretendi me defender, embora tenha sido atacado. Ao contrário, quis defender o direito de ter uma visão justa e fiel ao Magistério da Igreja, apesar de ser diferente da de um ou mais liturgistas.
Não quero proteger ou "regularizar", como afirma o Prof. Grillo, "quem não quer jogar o jogo do Concílio Vaticano II". Em vez disso, quero dizer que não é de todo certo que aquilo que o professor chama de "Concílio Vaticano II" coincida realmente com aquilo que o Concílio ensinou.
Muitos na Igreja se encontram na visão litúrgica que eu esbocei brevemente no meu artigo publicado no L'Osservatore Romano. Não é verdade que são poucos, como muitas vezes se ouve dizer! É a liberdade de expressão minha e de essas pessoas, sobretudo, que eu considerei que deveria contribuir para garantir. O debate é uma coisa boa.
Para que haja debate, é preciso ter a capacidade de debater serenamente, com ideias diferentes das próprias. Eu sempre estarei aberto para ouvir e para pensar pacatamente com todos. Mas é necessário defender a liberdade de ler o Concílio como um fenômeno novo e, ao mesmo tempo, plenamente inserido na continuidade do único Sujeito Igreja.
É preciso garantir a liberdade de pensar e de se expressar nesse sentido, sabendo argumentar, obviamente, o que se diz (argumentar e atacar não são a mesma coisa). Hoje, tornou-se um dever de defender essa liberdade de pensamento e de palavra por parte de quem quer negá-la, afirmando que a única leitura adequada do Vaticano II é a por ele proposta.
É para contribuir para garantir a possibilidade de ser, de pensar e de falar hoje, como homens e mulheres da Igreja do Vaticano II, que é a mesma Igreja de sempre desejada pelo Senhor, que eu decidi escrever e que continuarei a fazê-lo. Agradeço a quem quiser ler esta minha resposta e anuncio, desde já, que não haverá outras, mesmo que continuem as críticas descompostas em relação a mim. Será suficiente este texto e aquilo que eu continuarei publicando no futuro, em espírito positivo e propositivo.
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A réplica de Andrea Grillo:
Amicus Praefectus, sed magis amica Veritas
A resposta do cardeal Sarah e a necessária defesa do "verdadeiro"Concílio Vaticano II são o objeto desta minha breve réplica. Gostaria de ordenar os meus pensamentos para replicar, com a máxima pacatez de que sou capaz de, às palavras do cardeal Sarah.
Vou proceder rapidamente deste modo: colocarei à luz a descrição unilateral que ele faz das minhas duas intervenções (1), a justificação do tom "indignado" com que eu escrevi (2), as questões fundamentais em jogo (3) e com a inconclusão com que o cardeal, até agora, cuidadosamente evitou argumentar (4) a propósito das minhas perguntas.
1. Uma descrição totalmente unilateral
Um primeiro dado curioso parece ser este: do mesmo modo com que ele descreve e apresenta a Sacrosanctum concilium, o cardeal Sarah – mutatis mutandis – descreveu e apresentou as minhas duas intervenções no meu blog, ocultando cuidadosamente o motivo tanto do tom quanto do conteúdo.
Se se esconde o motivo do meu duplo escrito – ou seja, a teoria da "liberdade de utilização do Vetus Ordo ou do Novus Ordo segundo o apego pessoal" e a negação da "participação ativa" como lógica fundamental que justifica a Reforma Litúrgica – não se permite que ninguém entenda o que está em jogo em tudo isso.
Parece que tudo se resolve em uma polêmica entre pessoas. Se não se reconstrói o fato – ou seja, um duplo escrito do prefeito da Congregação para o Culto Divino, que reconstrói a Reforma Litúrgica de modo unilateral e injusto –, não se entende por que eu tive que levantar o tom e indicar esse duplo erro à opinião pública eclesial.
O prefeito defendeu explicitamente uma teoria errada, da qual decorrem consequências deletérias para a vida das comunidades e dos sujeitos. Eu não tenho nada de pessoal contra ele. Ou, melhor, justamente porque o respeito como pessoa e como ministro, sinto o dever de lhe indicar, com toda a clareza necessária – sem usar a conhecida "duplicidade" clerical – onde está o erro de avaliação e de julgamento que altera a reconstrução da história e o diagnóstico do presente.
2. O tom "indignado" e a monotonia curial
Justamente aqui se insere o segundo aspecto da sua resposta: o cardeal parece muito impressionado com a incomum parrésia com que eu me expressei. Evidentemente, ele parece estar acostumado com o mundo curial, onde se diz – sobre tudo e sobre todos – de modo muito mais pesado do que eu fiz, mas apenas e sempre pelas costas, escondendo-se e murmurando.
Quantas vezes eu mesmo tive que constatar que, sobre os temas litúrgicos mais candentes – sobre os quais eu escrevo há anos com toda a franqueza de que sou capaz –, colegas, monsenhores, bispos e presbíteros diziam coisas muito piores do que eu, mas sempre e apenas "às escondidas" e "baixando a voz", olhando ao redor de modo circunspecto, quase como animais perseguidos.
Gostaria aqui de recordar ao senhor cardeal o que disse o Papa Francisco em uma ocasião recente: "Se você diz um palavrão sobre a minha mãe, espere um soco". Para um liturgista, que acredita naquilo que estuda e ensina, não é tolerável ouvir falar da Reforma Litúrgica e da participação ativa nos modos com que o senhor cardeal falou.
Nesses casos, o "tom indignado" é proporcional à paixão com que se quer respeitar um percurso eclesial e um projeto de renovação da tradição. Que "o velho e o novo se equivalem" ou que a "participação ativa se reduz a mera passividade interior" pode-se suportar se dito pelo senso comum aproximado de um homem da rua, mas não por um prefeito de Congregação.
Acredite-me, senhor cardeal, também neste caso, é só o ministério que o senhor desempenha que suscitou essa minha inevitável e justificada reação. O senhor se surpreende se eu falei de "analfabetismo conciliar"? Mas como o senhor pode falar da Sacrosanctum concilium, por páginas, sem nunca dizer o que é central no documento? Fala-se dele com 13 citações que não têm nada de "específico" sobre a novidade desse texto?
O senhor defende que "muitos" já escreveram o que o senhor escreve. Mas quais são as suas fontes? Alcuin ReidNicola BuxVittorio Messori? São essas as "auctoritates" de que se vale um prefeito? Nunca leu VagagginiMarsiliParschMazzaBradshaw,AngenendtKloeckener, que reconstroem de um modo totalmente diferente a história do Movimento Litúrgico e da Reforma Litúrgica? Por que deve confiar em autores secundários, sem nenhuma autoridade acadêmica ou pastoral, e não levar a sério as verdadeiras autoridades?
Sobre isso, não só não obtive nenhum esclarecimento, mas a sua resposta também me induz a mais preocupações.
3. As duas grandes questões em jogo
Nas minhas duas intervenções, eu me limitei a focalizar duas questões absolutamente centrais, que, nas suas palavras, são definidas de modo distorcido e com possíveis consequências totalmente "anárquicas".
Por isso, eu questionei não a sua intenção, mas o efeito "pacificante" das suas palavras. A meu ver – e, asseguro-lhe e aviso, de todos os mais atentos observadores da vida litúrgica católica – essas afirmações são objetivamente perigosas. Sintetizo-as novamente, aqui abaixo:
a) Buscar a "paz litúrgica" incrementando a contraditoriedade entre Vetus Ordo e Novus Ordo.
Desde 2007, entramos no "túnel" aberto por um dos atos mais infelizes do pontificado de Bento XVI, que introduz um perigosíssimo paralelo entre formas contraditórias do mesmo rito romano. É um projeto que nasce como "projeto de paz", mas que se tornou imediatamente "dinamite institucional".
Pode fazer sentido apenas em ambientes fechados, clericais. Mas mesmo neles – por exemplo, em um seminário ou em uma comunidade religiosa – tem um efeito de divisão na formação, na espiritualidade, na pastoral, na eclesiologia dos futuros presbíteros.
Não falamos, depois, quando isso dá voz a advogados reacionários, para constituir um "grupo Vetus Ordo" na paróquia ao lado de casa... Se alguém não percebe essas dinâmicas, tão distorcidas quanto garantidas de cima, é bom que um teólogo diga isso abertamente e sem pêlos na língua.
b) Desconfiar da "assembleia celebrante" e trair todo o projeto de Reforma daSacrosanctum concilium?
A premissa necessária para a primeira "opção" é a incompreensão do coração daSacrosanctum concilium e da Reforma Litúrgica. O senhor sabe muito bem que havia alguns "teólogos" (ou, melhor, jornalistas e padres que se apresentam como tais) que ousaram defender – ouvidos também por ambientes da sua Congregação – que aSacrosanctum concilium não queria reformar "a missa", mas apenas "as missas festivas, com a participação do povo".
O senhor parece dar ouvidos a essas leituras distorcidas e insustentáveis da tradição recente, ignorando o valor central de uma Igreja que redescobre "ritus et preces" como linguagem comum a todos os batizados.
Por outro lado, há alguns anos, eu ouvi com os meus próprios ouvidos um antecessor seu dizer que "os leigos deviam ser mantidos longe dos altares". Com essa abordagem, não se pode entender a Sacrosanctum concilium e não se pode ler adequadamente a tradição que esse documento inaugurou eficazmente.
Um documento que nos faz entender, ainda hoje, que é preciso, acima de tudo, "recuperar os usos" antes que "combater os abusos". Sobre isso, nos seus escritos, não encontrei palavras claras.
4. O evasividade do cardeal
Acredite-me, senhor cardeal, gostei muito de ler a sua resposta. Mesmo quando não compartilhava nada, sabia que esse gesto, feito pelo senhor, estava marcado por uma confiança de fundo: que o debate é melhor do que a autossuficiência.
Mas, ao lado disso, devo lhe confessar que fiquei muito decepcionado pelo fato de que, depois de ter reagido, como é natural, às minhas críticas, o senhor não deu sinais de responder minimamente às questões que eu levantei.
O senhor diz que "muitos pensam como o senhor": essa não é uma resposta, se não quantitativa, que eu questiono como tal – a meu ver, esses "muitos" são muito poucos e marginais – e que eu contesto sobretudo porque não é motivada.
A interpretação autêntica da Sacrosanctum concilium não é a daqueles que buscam achatá-la na Mediator Dei, como o senhor também fez nas suas duas intervenções.
E é curioso que o senhor, pensando de modo positivista, objete nunca ter citado aMediator Dei. Certo. O senhor não precisava citar a Mediator Dei, porque citou somente aqueles trechos da Sacrosanctum concilium que já podem ser lidos na Mediator Dei! É como ler o Evangelho trazendo à tona apenas todas as citações do Antigo Testamento. Como se faz para captar a sua novidade se ela nunca é citada diretamente?
O senhor até faz uma operação ainda mais perigosa. Não cita os elementos de verdadeira novidade e insinua a dúvida no leitor de que as verdadeiras novidades "não são legítimas": caso contrário, como poderia defender que a "paz litúrgica" só pode nasce tornando a Reforma irrelevante e que a "assembleia celebrante" deve ser um conceito a ser usado com cautela?
Talvez, o senhor acredite que a diferença entre graça e lei pode ser uma diferença perigosa? Que a grande novidade cristã, para a qual a "assembleia celebrante", como "corpo de Cristo", torna-se parte do mesmo mistério celebrado, pode ser considerada como um pensamento perigoso? Que ela não é teologia, mas sociologia ou esquecimento do primado de Deus?
Em conclusão
Para encerrar, como eu repito, declaro-me contente com a sua resposta. É um belo sinal, para além dos conteúdos. O Concílio também se torna vida não tanto como um conteúdo, mas como um estilo.
Mas quero acrescentar uma última coisa. O senhor deseja que, no futuro, eu escreva de modo diferente, mais construtivo e edificante. É preciso entender bem o que se deve entender com esse legítimo desejo. Se o senhor quer que eu assuma o estilo distorcido e lacônico dos textos clericais que o seu escritório soube produzir nos últimos anos, penso que vou lhe decepcionar ao máximo.
Eu entendo a função do teólogo como "crítica respeitosa" e "respeito crítico". Nesse caso, encontrando-me diante de documentos e de artigos que "entendem mal a verdade da história dos últimos 100 anos" e que ameaçam a boa condição do caminho de reforma da liturgia e da Igreja, iniciado há um século, eu tenho o dever de reagir de modo claro e até mesmo duro.
A minha reação é causada pelo conteúdo enganoso dos seus escritos. Eu lhe digo uma verdade, que é dura de ouvir, mas que é muito preciosa. Tornei-me teólogo para exercer essa tarefa e, se não o fizesse, embora às vezes possa parecer descortês ou ingrata, eu não estaria em paz com a minha consciência.
Não sou teólogo para fazer elogios aos poderes de turno, mas para salvaguardar o sentido mais precioso da tradição. Nesse meu trabalho, também exerço em relação ao senhor uma forma de amizade, respeitosa da diversidade das funções eclesiais, mas crítica em relação a toda forma de esquecimento ou de injustiça, sobretudo quando vem de cima.
Justamente por isso, eu diria quase por deontologia profissional, busco defender o antigo ditado: amicus Praefectus, sed magis amica Veritas.
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