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Proverbio mexicano

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

A encíclica verde de Francisco

Maurício Waldman, sociólogo e Doutor em Geografia e mestre em antropologia, em artigo publicado pelo jornal O Imparcial, 16-08-2015. 
São claros os sinais do quanto o pontificado do papa Francisco volta-se para questões candentes do novo milênio. Neste particular, o argentino Jorge Mario Bergoglio é um papa cujo modo de ser e de pensar granjeou-lhe em pouco tempo efusiva popularidade.
No campo católico, no seio das múltiplas vertentes cristãs e em largos setores da opinião pública mundial, papa Francisco projetou imagem de simpatia e receptividade. Em boa parte, a estima pelo papa firmou-se por sua disposição em abrir portas para o diálogo para toda sorte de temas e dilemas do mundo atual.
Assim, além de pronunciar-se sobre litígios internacionais, debates interconfessionais e matérias doutrinárias, o papa se deteve sobre a temática ambiental, debate que como sabemos, é essencial para a continuidade da espécie humana e de todas as formas de vida.
No caso, a contribuição do pontífice materializou-se na Encíclica Laudato Si. Prontamente definida como “Encíclica Verde” do papa, de fato, longe de mera adjetivação, inúmeras são as razões que justificam tal percepção. A este respeito, uma nota matricial reporta ao próprio nome adotado pelo papa, inspirado em São Francisco de Assis, santo católico impregnado de simbolismo ecológico.
Com efeito, a pregação franciscana - marcada pela compaixão por todos os seres vivos e pelos pobres - encerra forte conexão com o ideário ambientalista. Neste sentido, a predileção do papa por Francisco de Assis configura uma pista para a compreensão da Laudato Si.
A presença da doutrina de São Francisco na grade conceitual da Laudato Si é inquestionável. A predisposição da Encíclica em defesa da integralidade da Criação - evidente no subtítulo “Sobre o cuidado da Casa Comum” - objetivamente a insere na órbita das pregações franciscanas. Ademais, não é nem um pouco fortuito que Laudato Si seja o nome de famoso cântico atribuído ao santo.
Citado no preâmbulo, o ideário de São Francisco constitui fio condutor de muitas pontuações do documento, seja em menções textuais ou como pressuposto da argumentação. No mais, o fato da Laudato Si ter redação na primeira pessoa do singular confirma os elos que conectam o papa e a Encíclica com a mensagem franciscanista.
Nesta perspectiva, Laudato Si, ao mesmo tempo em que retoma o pensamento visionário de São Francisco igualmente atesta o enorme potencial de interações possíveis entre o meio científico e as visões religiosas de mundo.
Certo é que a experiência religiosa é específica na sua forma de ser. Tendo a fé como elemento fundante, pode inclusive contrapor-se à lógica científica. Mas, embora ciência e religião tenham corporificado ao longo da história do Ocidente duas vocações em vários contextos atritando entre si, em nada isto compromete a possibilidade de objetivos comuns. 
Note-se que o papa Francisco é ele mesmo um homem com formação técnica. Na juventude, Jorge Mario Bergoglio graduou-se em química e trabalhou no Laboratório Bachmann em Buenos Aires. Portanto, não é de modo algum um cidadão que desconheça o saber científico.
Daí que Laudato Si elenca em defesa do ambiente ampla coleção de dados técnicos de excelência. Um bom exemplo do intercâmbio potencial entre ciência e religião, do saber científico como subsídio para visões de mundo filiadas à predicação religiosa.
Não seria demasiado rubricar que informação não é conhecimento e que isoladamente, este último não é sabedoria. A saber, a materialidade social é avessa a lógicas reducionistas. Existem bons cientistas e existem bons homens de fé. 
Laudato Si é neste sentido uma iniciativa ímpar. Une argumento científico e fé religiosa, voltando-se para o que há de mais essencial: a defesa dos ciclos de vida para o benefício da totalidade da Criação.
in Instituto Humanitas Unisinos, 24 de agosto de 2015.